Apoteótico Paul*

*Ana Iris Ramgrab

 

O Celso pediu para eu escrever um texto sobre o show do Paul McCartney em Porto Alegre. Eu disse pra ele que não ia conseguir dizer muito além de “bah, chorei no corinho de ‘Hey Jude’!!!” e que algum descornado iria comentar algo do tipo “Achei cafona” e eu ia ficar triste e me esconder para sempre num buraco, num misto de humilhação pública e auto-preservação, porque com esse calor que faz hoje em Porto Alegre, um buraco caía bem.

Mas já que eu vou falar do show, é melhor começar pelo começo, que é bem esquisito: meu conhecimento de Beatles, Wings e da carreira solo do Paul são os mais básicos possíveis. Não que eu não goste, mas eu nunca decorei discografia de ninguém pra saber de quando é cada música. MAS! Meu tio ama Beatles. Ele sim decora setlists, e sabe tudo, e coleciona. O que eu sei, eu aprendi com ele. Todos os presentes que eu compro pra ele são Beatles-related porque eu sei que ele vai gostar (tipo os descansos de copo com as capas de discos dos Beatles que eu comprei nos EUA e que ele transformou num QUADRO pra casa dele, ou o DVD de Across the Universe, que eu rodei Porto Alegre inteira atrás pra dar de presente de Natal ano passado). Beatles, pra mim, sempre foi o meu tio. E o Beatle preferido do meu tio sempre foi o Paul. Aí, quando começaram os rumores de que ele viria não só para o Brasil, mas para PORTO FRAKKIN’ ALEGRE, nós começamos uma troca furiosa de SMS por informações, negociações e combinações porque é claro que ele iria no show, e eu queria ir junto com ele pra dividir esse momento.

E, olha, só mesmo 1/4 dos Beatles e o amor do meu tio por eles pra me fazer passar uma hora e meia esperando o site processar a compra dos ingressos, só pra descobrir que até hoje ele não processou (mas eu tive a sorte de não ter a minha ligação cortada na central telefônica deles, então fui garfada em 4% a mais por ingresso, mas consegui). Ou pra me fazer sair de casa às 4 da tarde de domingo, num sol típico do pré-verão portoalegrense, pra ir de T5 até o fim da José de Alencar, e depois a pé até o Beira-Rio. O que, diga-se, foi a parte mais tranqüila em termos de deslocamento (pra ser sede de Copa do Mundo, Porto Alegre ainda precisa melhorar muito). Depois de enfrentar as hordas de pessoas nas filas pro gramado, conseguimos chegar na rampa 4, que dava acesso às cadeiras numeradas ímpares (pode ser um Beatle, mas eu tenho 1,50m e se eu me arrisco a ir no gramado, o máximo que eu vejo são os cotovelos alheios).

Mas isso tudo aconteceu mais de 3 horas antes do show começar. E o que interessa é o show, não é mesmo? Então vamos lá. Um pouco depois das 21h, a iluminação do palco diminuiu, dando a dica de que estávamos a minutos de um grande momento. É legal ver que não interessa a hora, o local e o motivo, grandes momentos sempre são precedidos de um breve silêncio, quase uma segurada de respiração coletiva. E quando mais de 50 mil pessoas fazem isso ao mesmo tempo, acreditem, é um silêncio muito difícil de ignorar.

Até que… Até que os privilegiados da fila do gargarejo começam a gritar, e a gente sabe que o cara tá no palco. Paul. O cara. Porque ele é. O cara. Absolutamente charmoso o tempo todo, interagindo com o público com o seu (já bastante discutido) português bem ensaiado, com direito a gírias e gauchismos. Apesar de dizer que iria falar mais inglês, ele falou em português praticamente todas as vezes em que se dirigiu ao público.

O setlist já foi muito e melhor discutido por gente que sabe melhor do que eu do que está falando, então vou me limitar a dizer é muito difícil ficar imune diante da seqüência de clássicos que Sir Paul enfileirou. “My Love”, “Here Today” e “Something” me fizeram chorar (pois é…), e meu tio quase chorou quando ele começou “Eleanor Rigby” (e a minha irmã chorou quando eu mostrei pra ela hoje de manhã o vídeo de “And I Love Her”. Pessoas sensíveis sofreram ontem).

E porque não dá pra ser Paul McCartney e não ser apoteótico, logo depois de fazer todo mundo cantar juntinho “Let It Be”, a pirotecnia se concentra toda em “Live and Let Die”, com explosões de fogos de artifício .

E aí… Bom, aí ele começa “Hey Jude”. E a real? A real é que, bah, eu chorei no corinho de “Hey Jude” e pode ser cafona, mas também foi catártico. Paul conduziu o coro dos 52 mil abestalhados que ainda não acreditavam estar ali, na frente dele, ouvindo o cara cantar. Primeiro os homens, depois as mulheres. Todo mundo junto. Lindo. Emocionante. (Eu pretendia incluir um vídeo de “Hey Jude” aqui, mas o YouTube não tá colaborando, gentes.).

As luzes se apagam. A banda sai do palco, e o público resolve continuar brincando de corinho de “Hey Jude”. Até que a banda volta e toca mais três músicas, terminando com “Get Back” e saindo de cena novamente. (Em ambas saídas da banda, a câmera acompanha o Paul até a entrada dos bastidores, e a corridinha que ele dá é tão ridiculamente britânica que só vendo pra entender). A segunda, e última, volta da banda começa com nada mais nada menos que “Yesterday” (todo mundo chorando junto, abraçadinho, já pensando àquela altura que a Kleenex perdeu uma ótima oportunidade de patrocínio), seguida de “Helter Skelter”. Já é quase meia-noite em Porto Alegre, e os últimos minutos do dia 7 de novembro são saudados com “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, pondo um quase fim a 3 horas que misturaram nostalgia, sonho e um quê de absurdo (pensa bem, cara, eu fui no show do Paul McCartney. Paul. Mac. Cartney. Minha banda preferida – e que eu vi ao vivo em 1994 num show igualmente apoteótico ali do lado, no Gigantinho – e cujo nome vem de um pseudônimo de quem? Rá! Não, não caiu a ficha ainda).

Nenhum artista que se preze que tenha uma música chamada “The End” poderia deixar de encerrar um show com ela, e nesse caso não foi diferente. Só que não estamos falando de qualquer artista, e nem de qualquer banda, então “The End” não é qualquer música: “And in the end the love you take is equal to the love you make.